A promulgação da Emenda Constitucional 132/2023, que institui a Reforma Tributária sobre o consumo, marcou o início de uma das mais profundas transformações no sistema de impostos do Brasil. Para a população em geral, e especialmente para investidores, paira um clima de incerteza. Entre os mais apreensivos estão os proprietários de imóveis de aluguéis (locadores), que hoje operam sob um regime tributário relativamente previsível, mas que agora encaram um horizonte de mudanças significativas.
Embora o foco principal da reforma seja a unificação de tributos sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), ela traz impactos diretos e indiretos para o setor imobiliário. A grande questão que definirá o futuro do mercado de locação é se o aluguel será ou não considerado um “serviço” sob a nova lógica do IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
Além disso, a reforma do consumo é apenas a “Fase 1”. A “Fase 2”, focada na tributação da renda, promete reconfigurar ainda mais o cenário para quem vive de rendimentos imobiliários.
Este artigo analisa os três pilares de impacto da reforma tributária para o proprietário de imóvel de aluguéis: a potencial tributação sobre o consumo (IBS/CBS), as mudanças já aprovadas no IPTU e as especulações sobre a reforma do Imposto de Renda.
1. O ponto central: aluguel é “serviço”? O risco do IBS/CBS
A maior angústia dos locadores reside no novo IVA dual, composto pela CBS ,Contribuição sobre Bens e Serviços, federal, e pelo IBS, Imposto sobre Bens e Serviços, estadual e municipal. Juntos, esses impostos devem ter uma alíquota padrão estimada entre 26,5% e 27,5%, uma das mais altas do mundo.
Hoje, o aluguel pago por pessoa física a outra pessoa física não é considerado um serviço. Ele não paga ISS imposto municipal e é tributado apenas pelo Imposto de Renda, IRPF, na tabela progressiva.
O texto da reforma aprovada não define explicitamente se a locação de imóveis será um “fato gerador” do novo IVA. Essa definição crucial foi delegada a uma futura Lei Complementar. É aqui que mora o perigo, mas também onde reside o provável bom senso.
O cenário do aluguel residencial (pessoa física)
Há um forte consenso político e técnico de que a locação de imóveis residenciais não será tributada pelo IBS/CBS. Incluir o aluguel residencial na base do IVA seria desastroso socialmente. Primeiro, porque o aluguel não é visto como “consumo”, mas como uma contrapartida pelo direito de uso de um bem, intrinsecamente ligado ao direito à moradia.
Segundo, aplicar uma alíquota de 27% sobre os aluguéis residenciais causaria uma explosão no custo de vida e uma inflação imobiliária sem precedentes, pois esse custo seria imediatamente repassado aos inquilinos. Portanto, a expectativa dominante é que os aluguéis residenciais de pessoa física para pessoa física permaneçam isentos do IVA.
O cenário do aluguel comercial (comercial e PJ)
A situação é mais nebulosa para aluguéis não residenciais lojas, escritórios, galpões. Atualmente, quando uma empresa pessoa jurídica no regime de Lucro Real ou Presumido aluga um imóvel, já incide PIS/Cofins sobre essa receita. Com a reforma, a tendência é que o PIS/Cofins sejam substituídos pela CBS.
A grande dúvida é se o IBS também incidirá. Caso a locação comercial seja plenamente tributada pelo IVA dual, o proprietário seja PF ou PJ, teria que recolher cerca de 27% sobre o valor dos aluguéis.
No entanto, a lógica do IVA é a não cumulatividade. A empresa inquilina, se também for contribuinte do IBS/CBS, poderia tomar crédito sobre o imposto pago no aluguel, abatendo-o do imposto que ela deve pagar em suas próprias vendas ou serviços. Na prática, para o inquilino PJ, o impacto líquido poderia ser neutro. O grande prejudicado seria o proprietário pessoa física que aluga para uma PJ, pois ele teria um novo imposto de 27% a pagar, o que o forçaria a se tornar uma PJ para gerenciar seus imóveis, a chamada “pejotização”.
2. O impacto imediato e certo: a “atualização” do IPTU
Se a tributação dos aluguéis pelo IVA ainda é uma incerteza, o impacto no IPTU é uma realidade já aprovada na Emenda Constitucional.
A reforma alterou o artigo 156 da Constituição, facilitando para que os municípios atualizem a base de cálculo do IPTU, ou seja, o “valor venal” dos imóveis. Antes, grandes atualizações geralmente exigiam a aprovação de uma lei específica pela Câmara Municipal. O novo texto permite que o executivo, a Prefeitura, atualize o valor venal com base em critérios técnicos gerais, potencialmente por decreto.
Para o locador, isso significa que o custo de “carregar” o imóvel vai aumentar. O IPTU é uma despesa do proprietário que, invariavelmente, é repassada ao inquilino no valor do aluguel. Com prefeituras autorizadas a promover “canetaços” para atualizar valores venais muitas vezes defasados, a expectativa é de um aumento real e significativo no IPTU nos próximos anos, pressionando os aluguéis para cima.
3. A “Fase 2” da Reforma: o imposto de renda (IR)
A reforma do consumo foi apenas o primeiro passo. O governo federal planeja uma “Fase 2”, focada na tributação da renda. Para o locador pessoa física, este é o imposto que mais pesa hoje. Os aluguéis entram entra na mesma base do salário, caindo na tabela progressiva que chega a 27,5%.
As propostas em discussão para a “Fase 2” podem tanto aliviar quanto piorar a situação do investidor de imóveis:
- Taxação de Dividendos de FIIs: Hoje, os dividendos pagos por Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) são isentos de IR para pessoas físicas. Há uma forte pressão para que essa isenção acabe. Se isso ocorrer, o investimento direto em “tijolo” (comprar o imóvel para alugar) pode se tornar relativamente mais atraente, mesmo com o IR de 27,5%, pois a vantagem comparativa dos FIIs diminuiria.
- Mudanças na Tabela do IRPF: Discute-se a ampliação da faixa de isenção e a correção das faixas da tabela progressiva. Se isso avançar, pequenos locadores (que possuem um ou dois imóveis) podem ser beneficiados, pagando menos IR sobre seus rendimentos de aluguéis.
- Tributação de PJs: A alta alíquota do IRPF sobre aluguéis incentiva muitos proprietários a abrirem uma empresa (PJ) para administrar seus imóveis, pagando impostos pelo regime do Lucro Presumido, que é frequentemente mais vantajoso. A “Fase 2” da reforma pode alterar as regras do Lucro Presumido ou criar novos regimes, mudando o cálculo de qual modelo é mais eficiente.
Conclusão: um cenário de transição
A Reforma Tributária inicia um longo período de transição e incerteza regulatória. Para o proprietário de imóveis de aluguéis, o cenário mais provável é:
- Alívio a curto prazo: O aluguel residencial (PF para PF) deve ficar de fora do novo IVA (IBS/CBS), evitando o pior cenário.
- Atenção a médio prazo: Os aluguéis comerciais e de PJs devem aguardar a Lei Complementar para entender as novas regras de tributação e crédito do IVA.
- Impacto imediato: O IPTU tende a subir de forma mais acelerada, aumentando o custo de manutenção do imóvel e pressionando o valor dos contratos de locação.
- Incerteza estratégica: As futuras mudanças no Imposto de Renda (“Fase 2”) serão decisivas para definir a rentabilidade líquida do investimento em imóveis de aluguel em comparação com outras aplicações, como os FIIs.
Mais do que nunca, o locador precisará de planejamento tributário e assessoria contábil e jurídica qualificada para navegar em um sistema que, embora prometa ser mais simples no futuro, será extremamente complexo durante a transição.
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